segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Entrevista com José Saramago
por JOÃO CÉU E SILVA 25 Outubro 2009

É o escritor português mais polémico de todos os tempos. Se a reacção ao 'Evangelho segundo Jesus Cristo' foi épica, a que 'Caim' recebeu é digna de um cenário de guerra em que de um lado, pensa-se, estão os ateus e do outro, admite-se, situam-se os crentes. O debate ainda vai no início, como a leitura do livro...
Ia à missa quando era criança?
Levaram-me duas vezes e não gostei. Tinha sete anos e aquilo pareceu-me incompreensível. Nós morávamos na Rua Fernão Lopes, numas águas-furtadas de um prédio, em Lisboa, de cinco andares que já não existe, que era o lugar onde a arraia-miúda morava porque os mais abastados ficavam com os apartamentos mais baixos. Houve alguém de uma família muito católica que perguntou à minha mãe se ela não se importava que me levassem à missa. E à minha mãe, que tanto fazia, disse: "Pois sim, levem."
Que idade tinha quando foi à missa?
Sete anos. Lembro-me de ter cometido um primeiro acto irreverente no momento da elevação, em que toda a congregação dos fiéis baixa a cabeça, e eu levantei a minha para ver o que é que se estava a passar: nada. Cheguei a casa e disse à minha mãe que não queria ir mais. Se não lhe tinha importado dizer que sim, tão-pouco lhe importou que eu tivesse dito que não.
Os seus pais não eram muito católicos?
Não. Eram católicos daquela maneira que se era onde a religião imperante é o catolicismo - levam os filhos à igreja quando nascem, depois seguem-se os outros sacramentos quando se seguem.
Então foi baptizado na Igreja Católica?
Fui, mas depois do baptismo não se passou nada, não houve confirmação. Não tive qualquer tipo de educação religiosa e na adolescência não aconteceu nenhuma crise religiosa. E vivi tranquilamente sempre, não foi assunto que me tirasse o sono. Fui crescendo, tornei-me adulto e depois, claro, li umas quantas coisas e uma delas foi a Bíblia.
Nasceu cinco anos depois das aparições e a sua infância decorreu durante a criação do mito de Fátima.
Sim, mas nunca me tocou, nem aos meus pais.
Não acreditou nas aparições?
Naquela altura, com poucos anos, era indiferente que acreditasse ou não acreditasse. Não percebia como é que a Virgem aparecia em cima de uma azinheira para dar um recado divino a três miúdos analfabetos. Acho que tudo isso foi uma montagem que continua a render.
Não vem daí este seu posicionamento?
Eu não disse aos 15 anos: "Isto é mentira e eu vou lutar contra isto." As coisas foram-se tornando claras, sem qualquer sombra de crise religiosa, apenas por curiosidade e por não entender.
A sua mulher, Pilar, foi freira. Não ficou chocada com esta sua narrativa?
Não, nada. Ela hoje não crê. E não é de hoje.
Conversou com ela sobre Caim?
Não. Eu tenho o meu trabalho, faço-o. Ela lê imediatamente aquilo que vou escrevendo - parecendo-me a mim que era algo um tanto ousado - mas nem me disse: "Não faças." Se alguma coisa disse, foi animar-me a continuar.
A religião sempre esteve presente nos seus livros.
Mais ou menos.
Desde o Levantado do Chão!
Na figura do padre... Desde há muitos anos que eu venho dizendo que a Bíblia tem umas quantas histórias mal contadas. Uma é a do David, supostamente o herói David, que matou o gigante Golias porque tinha uma "pistola", que era aquela funda, que se lhe parecia muito. Se Golias se aproximasse dele, provavelmente fazia-o em pedaços, mas David dispara-lhe uma pedra que atinge Golias na testa, este cai desmaiado e David aproxima-se e corta-lhe a cabeça. Onde é que está o acto heróico? Não há. Depois, o caso de Caim e de Abel tornou-se, de uma forma mais impressiva, consciente mais tarde. E desde então, não estive a pensar em Caim durante todos estes anos. De vez em quando, era uma questão que regressava, sobretudo quando se falava da Bíblia. No fim do ano passado, perguntei-me: "E se eu escrevesse sobre Caim?" Pareceu-me, naquela altura, uma tarefa um bocado complicada e afastei-a um pouco da cabeça. Mas ela voltou e eu fiz-lhe a vontade, o livro está aí.
Não foi nenhuma reacção a este Papa?
Só quis foi entender o que se passou naquele lugar onde Caim e Abel estão a sacrificar ao Senhor e Ele se comporta daquela maneira que nem sei como chamar-lhe ao aceitar o sacrifício de um e rejeitar o de outro. Um Deus não podia permitir-se esta desigualdade de tratamento! Era porque gostava mais da carne que das espigas?
Ratzinger é um Papa que não lhe agrada?
Os papas não têm de me agradar nem desagradar. Penso que os verdadeiros juízes das acções dos papas deveriam ser os crentes, pois eu não tenho nada a ver com isso. Não me agrada a figura, parece-me um hipócrita, mas, enfim, a Igreja Católica não acaba pelo facto de eu pensar assim.
A religião sempre foi um assunto que o preocupou. Escrever Caim foi uma razão para poder pensar essas questões?
Não. Eu não quis escrever sobre o assunto, não tenho planos de trabalho, não incluí a religião na lista das coisas que quereria trabalhar. Já teremos falado disso, de que eu obedeço a impulsos. Se escrevo um livro, não quer dizer que o livro seguinte siga a mesma direcção ou que seja uma ampliação do que disse no livro anterior. Para mim, desde sempre, considero um livro terminado como um livro fechado. Não volto a ele e não volto ao assunto. Se formos ao Manual de Pintura e de Caligrafia e acabarmos no Caim, vê-se que os livros não se repetem. Agora, como não sou inteiramente burro, ganhei muito cedo a consciência do peso da religião na vida humana. E como, depois, quando se entra em leituras históricas e se encontra com o desastre, digamos, do alargamento da influência do cristianismo, que isso custou cidades destruídas, milhares de pessoas mortas, assassinadas, degoladas, queimadas… As Cruzadas foram qualquer coisa que a Igreja devia pedir perdão! As Cruzadas, imediatamente idealizadas com esse absurdo de avançarem contra os inimigos aos gritos. Que sabem eles de Deus? Fiz essa pergunta a um teólogo há pouco tempo: o que é que sabem de Deus, afinal de contas? Não sabem nada, alguém um dia disse que Deus existe e depois os teólogos não têm feito outra coisa senão armar o andaime para que essa ideia se sustenha.
Então, tem acompanhado estas questões?
Mais ou menos e, ultimamente, fiz uma descoberta através de uma pessoa, de que Deus antes da criação do universo não tinha feito nada. Durante uma eternidade, que nem podemos avaliar quanta, até que chega a um momento em que decide criar o universo - não se sabe para quê - em seis dias e ao sétimo descansou. E continua a descansar até hoje! Quando digo, e sobre isso não tenho qualquer espécie de dúvida, que o ser humano inventou Deus e imediatamente se escravizou a ele, isto é óbvio! E depois aquilo que ultrapassa a minha capacidade de compreensão é o facto de que, se houvesse Deus, seria apenas um único Deus. Não podemos imaginar um céu dividido em três, quatro, cinco, dez ou cinquenta pedaços e um deles a governar. Portanto, se houvesse Deus, seria um só Deus. Se houvesse um Deus, por muito diferentes que fossem, seriam equivalentes, cada um o faria de acordo com a sua cultura, com o que quer que fosse, mas não é isso que se passa, cada igreja só pensa em derrotar a outra e cada religião só pensa em derrotar a outra. E foi o que se fez: os protestantes, os albigenses, os valdenses perseguidos, enforcados em França. Não há duas pessoas de um manto de religiões diferentes que se sentem a uma mesa e digam uma à outra: "Vamos acabar com isto." O facto religioso está aí, não se pode nada contra ele, e quando digo "acabar com as religiões", sou perfeitamente consciente de que isso não é possível. Mas a minha pergunta é esta: se crêem em Deus, crêem em um Deus. Portanto, até mesmo por respeito a ele, porque não se põem de acordo sobre uma palavra, simplesmente: paz? Paz entre as religiões.
As religiões estão a substituir as ideologias?
Aquilo a que chamamos ideologias nasceu depois de milhares de anos de religião. A religião, que é uma ideologia, precedeu o aparecimento recente daquilo a que nós chamamos ideologias.
Uma das críticas que lhe fizeram nesta polémica é que, sendo Prémio Nobel, não poderia fazer estas afirmações tão polémicas.
Ah, não?! Isso é caricato. Então um Nobel que me foi dado - supõe-se que por boas razões - seria paralela e contraditoriamente algo que deveria fazer-me calar e não tocar em certos assuntos? Era o que faltava!
Nesta polémica, após as críticas da Igreja, houve uma tentativa de a politizar com as declarações do eurodeputado Mário David...
Essas declarações não merecem comentário. Não tenho nada que dizer sobre isso.
Ele referia-se que em tempos ameaçara com a renúncia à cidadania portuguesa.
Que eu teria dito isso! Para além de tudo, é mentiroso, pois isso nunca aconteceu. A única coisa que disse - e o futuro nos dirá se tenho razão ou não - é que a união de Portugal com a Espanha será uma fatalidade. Positiva, espero, e que não retirará nada à cidadania portuguesa que continuaremos a ter. Nem ao hino, nem à língua, nem à cultura, nem a nada, até porque a confederação ibérica foi defendida no séc. XIX por muito boa gente como, por exemplo, Antero de Quental.
Continua a pagar os seus impostos cá?
Sempre e até ao último cêntimo. Sou mais honesto a pagar os meus impostos que muitos dos ricaços que estão por aí, que os sonegam, que os escondem e os levam para os paraísos fiscais.
Acha que este ataque imediato da Igreja foi uma tentativa de fazer um ensaio sobre a sua "cegueira" religiosa, ao afirmarem que é um livro unilateral?
Porque é que dizemos cegueira religiosa? É uma cegueira que impede de ver a religião ou é a religião que cega as pessoas?
Aceita que Caim é ingénuo?
Não! Quanto ao ingénuo, há sempre um grau de ingenuidade - felizmente - no que se faz, que é crer que se pode fazê-lo bem e tentar fazê-lo assim foi o que aconteceu comigo. Quanto a essa história, que para a Igreja é o cavalo-de-batalha, de que não levei em conta as leituras simbólicas, a minha resposta é esta: eu li um texto, que é o que difundem e não podem apagar. Se querem evitar leituras simbólicas, então ponham ao lado de cada pessoa um teólogo que explique ao leitor da Bíblia o que é que deve encontrar lá.
O livro saiu em Portugal, no Brasil e em Espanha, países maioritariamente católicos. Acha que esta reacção vai continuar?
Não, em Espanha, não. Publicou-se lá recentemente um livro do Fernando Vallejo, La puta de Babilonia, que se fosse eu a escrever aquilo cá em Portugal tinham-me dependurado num desses candeeiros da avenida. É de uma violência de denúncia e de crítica que é um autêntico bota--abaixo.
A reacção em Portugal deve-se a Caim ser escrito por José Saramago? Basta isso?
Se calhar, basta, mas eu não sou juiz nesse caso. O que digo é que a minha pessoa desperta muitos anticorpos nesta terra.
Que resultaram numa polémica nacional…
Uma polémica que, no fundo, não tem grande sentido. Se não fosse a requintada sensibilidade da Igreja em certos casos - outros há em que não teve nenhuma - isto não teria acontecido. Tive a ingenuidade de supor que a Igreja Católica não se ia meter nisto, porque era o Antigo Testamento. Como digo, e eles não negam e as sondagens ou inquéritos confirmam, os católicos não lêem a Bíblia. Quando muito, lêem o Novo Testamento, e algum mais curioso, ou mais amante da beleza de textos, irá ler o Cântico dos Cânticos, os Salmos e pouco mais. Era o que eu pensava que ia acontecer e não se compreende que pessoas tão habituadas à diplomacia secreta, como é a da Igreja, saltem à arena mal o livro saiu, tomando como pretexto as declarações que fiz em Penafiel. Só que o que disse em Penafiel já o tinha dito antes, que [a Bíblia] não é livro recomendável às crianças. Mas isso não quer dizer nada, os protestantes da facção evangelista são educados na interpretação literal - se é literal não é interpretação, é aquilo que lá já está - e é por aí se regem.
O seu pecado original foi ter feito aquelas declarações em Penafiel?
O que é que eu disse, afinal de contas?! Que na Bíblia há violência, crueldade, incestos e carnificinas? Isso não pode ser negado. Ainda que eu tenha chamado à Bíblia um manual de maus costumes, qualquer um o podia ter feito, porque é, efectivamente, o que é. Tudo quanto é negativo no comportamento humano está ali escrito.
Refere-se ao Antigo Testamento?
O Antigo Testamento é uma espécie de catálogo do pior da natureza humana. O que mostra que, tendo sido escrito há três mil anos, chegamos à triste conclusão de que a natureza humana não melhorou muito. A questão de Deus, que é o que aflige talvez mais aos crentes - um Deus que nunca viram ou que, como eu digo, nunca alguém se sentou a tomar um café com Ele -, é outra coisa.
Queria a Igreja, ou alguns dos representantes, que se levasse em conta as leituras simbólicas da Bíblia?
A grande crítica é que não deu o desconto de ser uma linguagem metafórica.
O que não me impede de considerar a literalidade do texto. Não é isso que está lá escrito? Se a leitura da Bíblia, tal qual ela se apresenta aos olhos de qualquer pessoa, não pode ou deve ser lida assim e se há que levar em conta as leituras simbólicas, então, repito, estão obrigados a colocar ao lado de cada pessoa que esteja a ler a Bíblica um teólogo que oriente essa leitura, para que não caia na tentação, parece que primária e ingénua, de tomar à letra o que lá está.
Não aceita estas críticas, portanto?
Não nego a possibilidade de uma leitura simbólica, ou duas, ou três, ou quatro, ou cinco ou as que quiserem. Mas que as leituras simbólicas e o trabalho da exegese não sirva para fazer de conta que a letra não existe. Não sou teólogo, nem para lá caminho, e não estava obrigado a complicar uma narração que queria simples e directa com introduções exegésicas ou lá do que gostariam. Aquilo que está ali foi lido assim durante séculos, apenas descontando aqueles em que a leitura da Bíblia esteve proibida pela Igreja Católica. É que a Igreja Católica tem muitos telhados de vidro, mas entretém-se a dizer que são os outros que os têm. E, por isso, armou-se uma polémica sem qualquer sentido.
Preferiria que não tivesse acontecido?
Uma coisa é uma opinião que se tem: o livro era mau, o livro não presta, o livro do ponto de vista da Igreja está incorrecto. Que se ficasse por aí.
A reacção, no entanto, foi imediata.
Logo na manhã seguinte já estavam todos alvoroçados a atacar-me! Apesar de terem uma experiência de séculos, podiam ser um pouco mais prudentes, mas são como os cãezinhos de Pavlov, reagem imediatamente ao estímulo. É lamentável. E a Igreja fez uma triste figura em tudo isso, pede-se-lhe mais responsabilidade. Quando disse que há muita frivolidade nos senhores da Igreja, é mesmo o que penso, porque só um comportamento frívolo é que explica isto.
Vários padres disseram que já começaram ou até já leram o livro. Acha que o conseguem ler como uma obra literária?
Não. Estão demasiado condicionados para ler tudo à luz dos preceitos que lhes foram incutidos, em que se criaram, educaram e prosperaram. Portanto, não vão ser capazes. Excepto um ou outro e eu até fiquei surpreendido quando ouvi um teólogo - uma coisa é um teólogo e outra é um padre -, Anselmo Borges, dizer que tinha gostado do livro. Mas a Igreja fará sempre afirmações que querem dizer: "Não devias ter escrito esse livro, devias ter escrito outro." Quer dizer, outro que estivesse de acordo com os preceitos da Santa Madre Igreja.
Também se fizeram ouvir representantes de outras religiões.
Sim, embora sem grande êxito, alguém pôs em marcha as outras confissões religiosas. Os judeus não deram grande importância...
Esperava pior reacção dos judeus?
Quem é que é directamente atingido? Os judeus, que continuam a considerar o Antigo Testamento, a Torah, como o livro sagrado por excelência. Há que dizer que não invento nada, limito-me a levantar as pedras e ver o que está debaixo. Se acho que uma pedra merecia ser levantada, é, justamente, a do assassínio de Abel. E fi-lo.
Caim sempre o perseguiu a vida toda?
Não, coitado do Caim. Desde que li, já lá vão muitos anos, a história de Caim e de Abel, logo me pareceu que havia ali qualquer coisa que não funcionava bem em termos de comportamentos normais, seja de seres humanos ou de Deus, se é que Deus tem algum comportamento normal. Caim mata Abel e o que se esperaria seria que Deus condenasse Caim, de uma forma radical por essa morte. Olho por olho, dente por dente. Mas não - propõe-lhe um pacto que consiste em "eu não te mato, ficas condenado à errância por toda a tua vida". E quando Caim, com uma preocupação bastante legítima, diz: "Mas, como eu matei o meu irmão, agora qualquer pessoa pode matar-me", Deus diz: "Não, porque eu vou pôr em ti um sinal que impede que te matem." Não é estranho? Há um comportamento que, por mais voltas que as igrejas que nasceram do cristianismo lhe dêem, não tem justificação.
A Bíblia não serve de exemplo?
Não consigo entender porque é que Deus aceita um sacrifício e rejeita o outro. Não sabia, omnissapiente e omnipotente, o que ia acontecer? Estava tão confiante na humildade de Caim que pensou que não aconteceria nada? Pois, aconteceu. Essa é a raiz do livro e não outra. Eu não quis escrever sobre a Bíblia, nunca a pretensão seria essa! Eu quis escrever sobre algo que continua para mim a ser incompreensível e, dado o comportamento de Deus numa situação como aquela, se repete ao longo da Bíblia a mesma indiferença e também a mesma crueldade, é por isso que eu digo que Deus não é de fiar. O que é que se pode dizer de um Deus que depois de ter prometido a Abraão que se houvesse dez inocentes em Sodoma não queimaria a cidade e a queima? Podemos ter a certeza, qualquer um de nós, pobres seres humanos, que sabia - sem ir contar os inocentes - que havia inocentes: as crianças. Queimadas como os seus pais e mães, e tudo mais. O que é isso? Prometer e não cumprir?
Pôr Caim a viajar no tempo foi a solução para tratar desses episódios que critica?
Ele viaja no tempo, mas essa história das viagens no tempo já se tornou um lugar-comum.
Mas nunca pela Bíblia?
Nunca na Bíblia, mas o problema que eu tinha para resolver era este: como é que Caim, na sua vida errante, vai encontrar algo que justifique o livro? Não usei, salvo para dizer que não usaria, as palavras futuro e passado. O que utilizei foi outra coisa, chamada presente-passado, ou presente-futuro. Portanto, tudo são presentes, o que acontece é que uns já estiveram e outros irão estar. Foi uma habilidade para fugir a essa coisa da viagem no tempo, embora no fundo o seja. Mas repare que não dou importância nem faço qualquer descrição sobre os efeitos dessa passagem.

domingo, 18 de outubro de 2009

PSICOLOGIA B - 12.º ANO

SINAPSENEURÓNIOS SENSORIAIS, MOTORES E DE CONEXÃO

LESÕES NA ESPINAL MEDULA


SISTEMA NERVOSO









quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Características de Pessoa


ESCOLA:

FILOSOFIA - 10.º __ / Ficha de trabalho n.º __

A dimensão ético-política: análise e compreensão da experiência convivencial.
º Intenção ética e norma moral.
Temas-Problemas:
- Quais as características da pessoa?

CARACTERÍSTICAS DA PESSOA


A pessoa é a base da reflexão ética, é o centro e fundamento da ética, o lugar onde os valores éticos se revelam.
Na noção de pessoa estão incluídas as mais dignificantes características do ser humano, que fazem dele o ser supremo, o sujeito, a fonte e o critério de qualquer apreciação valorativa.


Características e sua descrição:

Singularidade / Individualidade - cada ser humano é uma essência individual. O que faz de cada um de nós um ser único, irrepetível e insubstituível, um “eu”.

Unidade - cada ser humano é um micro­cosmos, um centro de decisão, uma totalidade concreta, uma unidade psicológica e moral.

Autonomia/Liberdade - centro de decisão e de acção, o ser humano tem em si o princípio e a causa do seu agir, apesar de condicionado. Entre as suas manifestações mais elevadas encontra-se a possibilidade de se auto-determinar.


Interioridade/ Subjectividade - em cada ser humano há um espaço de reserva e de intimidade que é inacessível, inviolável - é a zona da consciência; consciência de si.

Abertura - singularidade, unidade e autonomia podem esgotar a noção de indivíduo mas não esgotam a de pessoa. Só somos verdadeiramente pessoas na relação com os outros e com o mundo.

Projecto/Possibilidade - não se nasce pessoa. Ser pessoa não é coisa dada; é uma das possibilidades humanas que cada um deve realizar.

Proximidade - a pessoa estabelece vínculos de proximidade com os outros, manifestando solidariedade e amizade.

Compromisso - a identidade da pessoa forma-se pelos compromissos que assume. Ao comprometer-se, a pessoa age recusando a neutralidade, a indiferença.

Crítica - a pessoa dispõe de uma dimensão crítica com que avalia os diversos aspectos da vida. Esta capacidade crítica faz com que o homem seja capaz de dizer não ao que lhe parece negativo e se empenhe na construção de um mundo diferente.

Dignidade - a pessoa é um valor incomensurável. Ocupa o lugar cimeiro no conjunto dos seres do universo. Neste sentido, a pessoa é a mais elevada forma de existência e tem valor absoluto.

Nota: este tema-problema, relativo às características da pessoa, poderá ser consumado através de uma ficha de trabalho em que conste um quadro de duas entradas, de um lado a coluna das características, do outro a sua descrição. A descrição das características é apresentada na íntegra, os alunos apenas a terão de fazer corresponder à(s) característica(s) respectiva(s).

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Aproximação Simbólica à especificidade da Filosofia

A AVE DE ATENA

A ave de Atena é tida como o mais antigo símbolo da filosofia.
Atena, deusa da sabedoria e da fecundidade, aparecia associada, na mitologia grega, à coruja, cuja nota distintiva é a de se levantar ao anoitecer e andar vigilante e activa pela calada da noite.
Auxiliada apenas pela luz da lua, dotada de uma excepcional acuidade visual, vê o que o comum dos outros animais só consegue alcançar com a luz do sol. É essa invulgar capacidade de ver e de orientar no mundo das trevas que faz dela um símbolo da filosofia e do conhecimento racional: a coruja, tal como a filosofia, simboliza a reflexão que domina as trevas ou a capacidade de obter conhecimentos para lá das sombras.


O PENSADOR DE RODIN


Um outro símbolo da atitude filosófica é a estátua do escultor francês Rodin, denominada Pensador. Nu e solitário, de olhos fechados, sentado com o queixo apoiado no punho direito e o braço esquerdo descaído sobre o colo, o pensador é tomado como símbolo da atitude reflexiva que particulariza a filosofia. Trata-se de um símbolo rico mas controverso.
O que a sua atitude de homem pensativo tem de positivo é a capacidade de se recolher sobre si mesmo para submeter ao seu próprio juízo crítico a realidade que o envolve. O que tem de negativo e contrário ao espírito da filosofia é precisamente a dimensão solitária ou solipsista dos seus pensamentos a que ninguém pode ter acesso, incomunicáveis, portanto, e, por isso, inúteis para a comunidade.

A ESCOLA DE ATENAS


Um terceiro símbolo da filosofia é esse quadro magnífico do pintor italiano Rafael, cujas figuras centrais são Platão e Aristóteles.
Platão, apontando para o alto, recorda, como a filosofia, que a natureza humana não se esgota na realidade terrena em que assentamos os pés. Recorda, tal como a filosofia, que é próprio do ser humano elevar-se acima das terrestres preocupações e contemplar os valores espirituais, morais, estéticos, políticos, etc..
Aristóteles, por seu lado, estendendo o braço com a palma da mão voltada para baixo, indica que o ser humano é daqui, pondo em destaque a dimensão corpórea e física da natureza humana.
O quadro pode também ser tomado como símbolo do diálogo que se trava na história da filosofia entre posições e teses frequentemente opostas a exigirem ponderação dialógica.

Adaptado de: Vicente, joaquim Neves, Razão e Diálogo-Introdução à Filosofia, Porto Editora, 1998, p.65.


Multiculturalismo, Interculturalidade e Educação

Se é verdade que “somos humanamente configurados para e pelos nossos semelhantes”[1] ou, de outro modo, se a “humanidade é algo que depende em boa medida do que fazemos uns com os outros”[2], como, aliás, nos provam os casos de meninos selvagens, então, não é menos verdade aquilo para que Hans Küng nos chama a atenção na sua obra “Projecto para uma Ética Mundial”, a necessidade de nos relacionarmos com toda a ecúmena, isto é, com todo o mundo habitado, sem distinção de sexo, idade, cor, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social. Com efeito, precisamos de todos para tentar dizer melhor, “embora na gaguez quase muda”[3], aquilo que somos. “Gaguez quase muda” porque “a vida, ela toda, é um extenso nascimento”[4]. O homem, tal como a cultura, por mais que se complete, está sempre em aberto, ou seja, deixa sempre algo por dizer ou por ouvir, está, constantemente, em construção e no único momento em que poderia dar a obra por concluída já não o pode fazer porque o não pode dizer, ou seja, está morto. De outro modo e para utilizarmos a terminologia de Kuhn, acerca dos paradigmas, o homem, e tudo o que dele resulta, é incomensurável, ou seja, está em eterno devir.
Ora, por tudo isto, é evidente que as noções de “identidade(s) refúgio” e “identidade(s) tribais” não fazem qualquer sentido e que a ideia de cultura como fronteira, linha que separa o dentro e o fora, está completamente obsoleta. Nós somos uns com os outros, fecharmo-nos, isolarmo-nos dos ou de alguns outros é uma atitude assassina, que mata algumas das possibilidades de ser.
A melhor palavra para traduzir a existência humana é a de “mestiçagem”, isto porque este termo nos remete para a ideia “do ser lapso e carente que só se realiza num processo infinito de encontro com os outros”
[5] e para experiências que, nas palavras de François Laplantine e Alexis Nouss, são de desapropriação, ausência e incerteza. O mundo, hoje, é um espaço que deve ser visto “como uma estrutura reticular em que se circula”[6], isto é, hoje, temos que ter bem claro que “não se mora, viaja-se e viaja-se num tempo e num espaço globais”[7] e que é nele que se forma a nossa identidade que, como nos diz Amin Maalouf, é compósita e se caracteriza por múltiplas pertenças. O homem, como no-lo lembra a ideia de topopoligamia de U. Beck, está “casado com vários lugares e pertence simultaneamente a vários mundos”[8]. Hoje, mais importante do que as raízes, que nos conduzem à terra onde o homem apodrece, como lembra Amin Maalouf, são as estradas que pelo seu entrecruzamento nos levam à constituição dos nossos traços identitários.
Acerca desta necessidade que o homem tem de ser com os outros, Küng não esquece de dizer que só seremos, só sobreviveremos, se no mundo em que vivermos “não coexistirem, durante muito tempo, espaços éticos dispares, antagónicos e até mesmo rivais”
[9]. O mundo necessita de uma ética de base que, como a de Küng, não esqueça:
• “o que pressupõe a paz interna no seio de uma pequena ou grande comunidade? – Resposta: a concordância colectiva acerca da vontade de resolver os conflitos sociais sem o recurso à violência;
• o que pressupõe a existência de uma ordem social e económica? – Resposta: a concordância colectiva acerca da vontade de respeitar uma dada forma de organização social e determinadas leis;
• O que pressupõem as instituições que encarnam tais formas de organização e que, não obstante, estão constantemente sujeitas a transformações históricas? – Resposta: uma vontade colectiva, pelo menos implícita, de as continuar a manter
[10].
Por outras palavras, Küng considera importante um comprometimento global, com uma cultura da não-violência, o respeito pela vida, a solidariedade, a justiça, a tolerância, a veracidade (não mentirás: fala e age com verdade) e a igualdade de direitos com irmandade ou, atrever-me-ia eu a dizer, hospedagem.
Mas, atenção, quando se fala na necessidade de uma ética de base, não se está a dizer que a humanidade carece de uma religião ou ideologia únicas ou unificadas. O que se quer significar, isso sim, é que o homem e o seu mundo necessitam de um conjunto de normas, valores, ideias e objectivos que promovam a dimensão relacional intrínseca à natureza humana. No fundo, o que se exige é uma das mais antigas regras de ouro: não faças aos outros o que não queres que te façam a ti ou, para utilizar a fórmula positiva, faz aos outros o que queres que te façam a ti e, para isso, não te esqueças de aprender a ver a realidade, também, com os olhos do outro e de ajudares o outro a ver a tua com os teus olhos.
Esta interdependência entre o eu e o tu, para não falar de outras realidades, como a necessidade de preservar o planeta para as gerações vindouras, exige o abandono de atitudes etnocêntricas e relativistas e a adopção de modelos de acção profiláticos da humanidade que tenham por base a interacção, a integração, a compreensão, o respeito, a responsabilidade perante e pelo outro, o cuidado, o afecto e a colaboração/cooperação, é dizer, que acentem num diálogo autêntico que pressuponha a utilização de linguagens de compreensão mútua. De facto, não é possível resolver os problemas actuais senão for por meio da cooperação e isto, por sua vez, não consegue lugar sem a capacidade de ver pelos/com os olhos do outro. O que valem as acções de um país, sozinho, perante realidades como o aquecimento global ou necessidades como a dos quatro erres (reduzir, reciclar, rejeitar e reutilizar)? Tais fenómenos só poderão ser enfrentados com a ajuda de todos. As atitudes de fechamento e isolamento, bem como a ideia de que eu sou melhor do que tu, não fazem mais sentido. É urgente que o homem queira ser pessoa autêntica e, com isso, queira evitar o mal e praticar o bem aos seus e aos olhos do outro. As pretensões de verdade absoluta devem ser substituídas, como diz J. Masía e R. Panikkar, pelo diálogo dialógico (desejo de verdade) e não dialéctico (baseado numa razão unívoca e ditatorial/certeza de verdade), o que, no campo religioso, equivaleria, por exemplo, ao reconhecimento, tanto por parte do cristão como do budista, que “Deus”, o “Nada” ou o “Vazio” “teriam de estar para lá do Deus Cristão e para lá do Nada e do Vazio budistas”
[11]. Mas atenção, esta “luta pela igualdade não implica o esquecimento das diferenças (…). Como refere Boaventura Sousa Santos (…): temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”[12]. O reconhecimento da diferença é a condição necessária para garantir uma igualdade mais profunda. O canibalismo cultural não pode ter lugar num mundo em que o diálogo cultural é a condição da humanidade.


Sónia Rodrigues
27/07/2009

[1] Savater, Perguntas da Vida, p. 194.
[2] Savater, Ética para um Jovem, p. 65.
[3] Anselmo Borges, Separata Igreja e Missão, p. 353.
[4] Mia Couto, Cada Homem é uma Raça, p. 121.
[5] João Maria André, Identidades… p. 15.
[6] João Maria André, Interpretações p. 2.
[7] João Maria André, Interpretações p. 2.
[8] João Maria André, Interpretações p. 31 (adaptado)
[9] Hans Küng, Projecto para uma Ética Mundial, p. 11.
[10] Hans Küng Projecto para uma Ética Mundial, p. 60 e 61.
[11] Anselmo Borges separata, p. 354.
[12] João Maria André, Interpretações… p. 28.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Autonomia e Radicalidade da Filosofia - Filosofia 10.º ano

ESCOLA:


FILOSOFIA - 10.º __
Ficha de trabalho n.º __

Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar.
O que é a Filosofia? Uma resposta inicial.
Tema-Problema: Qual a especificidade (ou quais as características) da filosofia?

1. Lê, atentamente, os textos 1 e 2.

TEXTO 1
A AUTONOMIA DA FILOSOFIA
«A Filosofia é autónoma, isto é, o saber filosófico, não depende de outros saberes. (…) A Filosofia não se confunde com a ciência (…), porque a sua actividade não assenta nas experimentações ou na verificação observacional; não se confunde com os saberes religiosos porque não tem por base a autoridade religiosa, a tradição ou a revelação; não se confunde com a política, porque não visa conceber a melhor forma de organizar o poder. (…) A Filosofia tem o seu próprio modo de pensar, mas dialoga com todos os saberes, reflectindo a dimensão comunitária da vida.
A Filosofia é ainda autónoma, porque (…) não há Filosofia sem um uso autónomo da razão. O exercício da Filosofia só é autêntico filosofar quando é feito de forma livre e pessoal, isto é, emancipado de tutela.
Ousar pensar por si próprio, arriscar ter as suas próprias ideias sobre a natureza, sobre a vida e o mundo é uma das características da actividade filosófica e, por isso mesmo, da própria Filosofia.»
Magalhães, J. Baptista (1997), Viver & Filosofar, Introdução à Filosofia 10.º ano, pp. 121

TEXTO 2
A RADICALIDADE DA FILOSOFIA
«Ser radical significa ir à raiz dos problemas, não ficar pela superficialidade da opinião. O Filósofo é um homem de convicções e só tem convicções quem não navega nas ideias feitas, mas levanta todos os porquês, problematizando e aprofundando até aos limites as questões que o inquietam.
Podemos dizer que a radicalidade tem dois sentidos:
- Significa procurar as primeiras causas, o fundamento último ou os primeiros princípios.
- Significa que tudo pode ser problematizado.»
Magalhães, J. Baptista (1997), Viver & Filosofar, Introdução à Filosofia 10.º ano, pp. 122

1.1. Indica, no teu caderno, a(s) razão(ões) pela(s) qual(ais) a Filosofia é autónoma.

1.2. Por que é que se diz que a Filosofia é radical?
A Professora

A Dimensão discursiva do trabalho filosófico - 10.º Filosofia

ESCOLA:

FILOSOFIA - 10.º __ / Ficha de trabalho n.º __

Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar.
A dimensão discursiva do trabalho filosófico.

A DIMENSÃO DISCURSIVA DO TRABALHO FILOSÓFICO

I - A Filosofia como trabalho.

1. Lê, atentamente, o texto que se segue.

“Trabalho – Actividade consciente do homem aplicada à produção de bens úteis, dotados de valor (…). Segundo o conteúdo do esforço, pode ser manual ou intelectual. (…) Engels (…) considerou-o factor de humanização. O trabalho está intimamente ligado ao desenvolvimento técnico e científico (…).”
Nova Enciclopédia Portuguesa, Ediclube, 1992, volume 25, p.2334

1.1. Consideras a Filosofia um trabalho. Justifica a tua resposta.

2. Indica ferramentas próprias do trabalho filosófico.

II – A Filosofia como discurso.

1. Lê a página 35 do teu manual de Filosofia e responde à questão que se segue.
1.1. Porque é que a Filosofia se diz discursiva?

III – Os enunciados filosóficos.

1. Lê o texto abaixo transcrito.

“A classificação dos enunciados pode fazer-se de acordo com o objectivo da mensagem (…). Assim os enunciados que têm por finalidade expor informações, transmitir acontecimentos ou experiências, denominam-se informativo-expositivos; (…) os que têm como objectivo a apresentação de razões e dados em defesa de uma opinião consideram-se expositivo-argumentativos. Note-se que existem outras designações para os tipos de discursos, nomeadamente apoiadas nas teorias de Roman Jakobson, Benveniste ou Werlich. Este último distingue o tipo descritivo, narrativo, expositivo, argumentativo e instrutivo.”
Vasco Moreira e Hilário Pimenta, Dimensões do Português - 10.º, Português B, Porto Editora, 1993, p.34.

1.1. Identifica o enunciado característico da Filosofia e indica o seu objectivo.

IV – A Filosofia como Hermenêutica[1].

“Para iniciarmos a leitura de um texto filosófico precisamos de:

- Conhecer os elementos constitutivos do discurso argumentativo;
- Contextualizar o autor na História da Filosofia: é um autor da antiguidade ou da modernidade?;
- Procurar saber quais os textos da História da Filosofia que influenciaram o autor de forma significativa, pois a escrita filosófica é sempre uma reescrita e um retomar de questões essenciais;
- Identificar o problema a que o texto procura responder;
- Ter ao lado um dicionário de Filosofia (para além do de Português)”
Agostinho Franklin, Isabel G. e J. V. Lourenço, Ensaios de Filosofia para não-filósofos, Porto Editora, 2003, p. 62
[1] - Hermenêutica: ramo da Filosofia que se debate com a compreensão humana e a interpretação de textos escritos.
A Professora